23 de fev. de 2015

As muitas caras de quem exige a demissão de Cardozo

"Mas não era esse o mesmo Barbosa que, quando Juiz, se negava a receber advogados?""Mas não era esse o mesmo Barbosa que, quando Juiz, se negava a receber advogados?"



Por Fabio de Sá e Silva*


Era início de carnaval, mas alguém achou que tinha em mãos material suficiente para animar o feriado.

O meio, o de sempre.

O alvo, o Ministro da Justiça, Jose Eduardo Cardozo.

A acusação, a de ter recebido advogados de empresas envolvidas na Lava Jato.

A prova principal, a agenda pública do próprio Ministro.

No enredo de tais encontros, Cardozo teria afirmado que a investigação “mudaria de rumo radicalmente, aliviando as agruras dos suspeitos de corrupção e lavagem de dinheiro”.

Teria assegurado, a este respeito, que “as investigações envolveriam nomes de oposicionistas, o que, segundo a tradição da política nacional, facilitaria a costura de um acordo”.

E para terminar, teria feito “considerações sobre os próximos passos” e “desaconselhado uma das empresas a fechar um acordo de delação premiada”.

“Era tudo o que os outros convivas queriam ouvir,” concluía a peça.

A leitores minimamente críticos, matéria assim veiculada deveria render mais questionamento que curtidas e compartilhamentos.

Afinal, quem agora pretende fazer de Cardozo o articulador de uma grande conspiração contra a Lava Jato não é quem, ao longo dos últimos meses, produziu dezenas de capas e matérias com base em vazamentos da Polícia Federal – evidência maior de que o Ministro não consegue controlar sequer uma organização que lhe é formalmente subordinada?

Ou quem criticava Cardozo por inação frente a problemas em áreas como a Segurança Pública?

Ou quem enaltecia Moro como Juiz inflexível e determinado a apurar até o fim as práticas de corrupção evidenciadas pela Operação Lava Jato?

Em que se pretende que a opinião pública brasileira acredite?

Que instituições brasileiras como a PF, o MPF e a Justiça Federal são a salvação da nossa lavoura, enquanto Cardozo é um Ministro fraco – como diziam até então?

Ou que Cardozo não apenas é um grande articulador, como é capaz de desmontar uma operação complexa como a Lava Jato, passando por cima de figuras como Moro e Janot – como dizem agora, em função dos tais encontros (públicos) com advogados de empresas?

Como se já não houvesse confusão o suficiente, eis que aparece Joaquim Barbosa.

Falando em nome dos “cidadãos honestos” do país, o ex-Ministro não apenas compra a tese da Revista, como cobra a demissão de Cardozo.

E se explica:

“Você defende alguém num processo judicial. Ao invés de usar argumentos ou métodos jurídicos perante o juiz, você vai recorrer à política?”

E emenda:

“Se você é advogado num processo criminal e entende que a polícia cometeu excessos ou deslizes, você recorre ao juiz. Nunca a políticos”.

Mas não era esse o mesmo Barbosa que, quando Juiz, se negava a receber advogados?

Ou que, como relator de um dos casos mais importantes da história do STF, deu contribuição inestimável à indesejada mistura entre direito e política, admitindo expressamente ter feito uma “conta de chegada” para fixar as penas dos condenados?

Em uma das cenas mais memoráveis da experiência democrática na nova República, tirada de um dos debates entre presidenciáveis que marcaram das eleições de 1989, o emergente Afif Domingos perguntou a Mario Covas com qual das caras ele se apresentaria naquele pleito – se a do “marxista” que defendeu direitos sociais na Constituinte ou do “traidor”, eleito Senador pelo PMDB e depois, como candidato a presidente, crítico do plano Cruzado.

Covas respondeu a Afif que julgava ter apenas uma cara, mas que se tivesse muitas, todas elas teriam vergonha.

Se ainda estivesse vivo, Covas talvez custasse acreditar. Mas seis eleições depois, a mesma opinião pública que o aplaudiu no embate com Afif seria formada (sic) por veículos e figuras operando na linha oposta à que ele então enalteceu: com muitas caras, nenhuma das quais parece ter vergonha.

*É graduado pela USP e mestre pela UnB em Direito e PhD em Direito, Política e Sociedade na Northeastern University (EUA).

Fonte: Carta Maior

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